Segundo a UNICEF, num relatório publicado nesta terça-feira (15), o maior sobre o assunto dos últimos 20 anos. Uma em cada três crianças com menos de cinco anos de idade no mundo está desnutrida ou sofre de sobrepeso. Das 676 milhões de crianças que viviam no planeta em 2018, pelo menos 227 milhões são afetadas por problemas alimentares.
“Esses problemas são uma ameaça para o crescimento das crianças”, explica Victor Aguayo, responsável pelo Programa Mundial de Nutrição da UNICEF. Segundo o especialista, essas crianças talvez nunca alcancem o seu pleno potencial físico e intelectual.
No total, 149 milhões de crianças no planeta têm atraso no crescimento devido à desnutrição crônica e 50 milhões são magras em relação à sua estatura, devido à desnutrição aguda ou a um problema de absorção de nutrientes.
Esta situação está estreitamente relacionada à pobreza, pois afeta mais os países pobres e as populações em situação precária nos países ricos. Mas, conforme mostra o estudo, não existe mais o clichê de que crianças de países pobres são malnutridas, enquanto as de países ricos têm sobrepeso. A situação é bem mais complexa, havendo uma justaposição dos problemas num mesmo lugar.
“No passado tínhamos uma tendência a acreditar que o sobrepeso era resultado da má nutrição dos ricos e que o baixo peso resultava da má nutrição dos pobres. Mas esse não é o caso, pois podemos ter exemplos de subnutrição e de obesidade dentro da mesma comunidade”, explica Aguayo.
"As diferentes formas de má nutrição coexistem cada vez mais em um mesmo país e até em um mesmo lar", com a mãe com sobrepeso e o filho desnutrido. Um exemplo é o México, onde "ainda há uma grande proporção de crianças desnutridas e, ao mesmo tempo, uma grande pandemia de sobrepeso e obesidade infantil, considerada uma emergência nacional pelo governo", completa o especialista.
Globalização é um das causas
São inúmeras as razões que podem ter impacto sobre a nutrição infantil. Cada vez mais famílias têm deixado o campo para viver nas cidades, a entrada das mulheres na força de trabalho, mudanças no clima e biodiversidade são variáveis que precisam ser analisadas, segundo os pesquisadores do UNICEF. Além disso, dietas tradicionais têm sido substituídas por hábitos de consumo ricos em gorduras e açúcares, com baixa concentração de nutrientes.
“Há um mundo que está mudando por causa da globalização. Um regime alimentar que compreende frutas, legumes, produtos lácteos e ovos está se tornando cada vez mais caro, enquanto regimes alimentares que são pobres do ponto de vista nutricional se tornam mais baratos”, analisa Victor Aguayo.
De acordo com os dados da UNICEF, 340 milhões de crianças sofrem de carências alimentares. Elas recebem o número de calorias suficientes, mas não o de minerais e vitaminas indispensáveis para o seu desenvolvimento, como ferro, iodo, vitaminas A e C, devido, principalmente, à falta de frutas, verduras e produtos de origem animal. Estas carências podem ter consequências físicas e intelectuais severas, como sistema imunológico deficiente, problemas de vista ou de audição.
Este fenômeno começa muito cedo, com uma amamentação insuficiente e uma diversificação alimentar baseada em produtos impróprios, e se agrava com a crescente acessibilidade a alimentos ricos em calorias mas pobres em nutrientes, como o macarrão instantâneo.
"A maneira como entendemos e reagimos à desnutrição precisa mudar: não se trata apenas de dar às crianças comida suficiente. Antes de tudo, é preciso lhes dar uma boa alimentação", destacou Henrietta Fore, diretora da UNICEF, em um comunicado que acompanha o relatório.
O papel dos governos
O órgão convoca os governos a promoverem os alimentos necessários para uma dieta equilibrada e a agirem para que ela seja acessível economicamente.
A UNICEF também defende a regulamentação da publicidade do leite infantil em pó e dos refrigerantes, assim como a aplicação de etiquetas com informação nutricional nos alimentos que sejam facilmente compreensíveis, para ajudar os consumidores a escolherem produtos mais saudáveis.
A desnutrição segue sendo o principal problema, ao afetar as crianças quatro vezes mais que o sobrepeso. O número de crianças que não recebem comida suficiente para as suas necessidades nutricionais retrocedeu 40% entre 1990 e 2005, mas prevalece como um grande problema em muitos países, especialmente na África subsaariana e no sul da Ásia.
A UNICEF alerta para o fato de que o sobrepeso e a obesidade se desenvolvem rapidamente, com 40 milhões de crianças pequenas afetadas, inclusive nos países pobres. Enquanto este problema era praticamente inexistente nos países com baixa renda em 1990 (3% deles tinham mais de 10% de crianças com sobrepeso), agora três quartos destes Estados enfrentam a questão.